domingo, 29 de março de 2009

"Em busca da dignidade perdida" - Gil Loescher ministra seminário sobre refugiados no TST em Brasília

Professor de Oxford discute o refúgio prolongado, no encerramento do ciclo de palestras Sérgio Vieira de Mello em Brasília

“Para Sérgio Vieira de Mello, restaurar a dignidade dos refugiados, de suas comunidades e de suas nações era o maior trabalho humanitário da ONU”. Em uma de suas últimas frases durante palestra nesta quinta-feira no Brasil, o americano Gil Loescher apontou o caminho e o tamanho do desafio para lidar com uma das maiores crises humanitárias mundiais: a dos deslocamentos prolongados.

Professor do Centro de Estudos de Refugiados da Universidade de Oxford, Loescher é um dos maiores especialistas do mundo em direito internacional humanitário e proteção de refugiados. Veio ao Brasil esta semana encerrar um ciclo de seminários em homenagem ao brasileiro Sergio Vieira de Mello, alto-comissário da ONU que morreu em um atentado à bomba no Iraque há cinco anos. Loescher também estava no escritório que foi alvo do ataque e sobreviveu, mas outros 21 funcionários da organização morreram.

Loescher teve as pernas paralisadas pelo incidente, mas manteve a voz ativa. Em Brasília, debateu o refúgio prolongado, tema de seu livro mais recente e fruto de anos de pesquisa na área e visitas a campos de refugiados no mundo todo.

“Cerca de dois terços dos refugiados do mundo vivem em situação de refúgio prolongado, que a ONU define como populações acima de 25 mil pessoas vivendo em exílio por mais de cinco anos”, explicou Loescher.

Segundo o acadêmico, apenas recentemente a questão começou a ganhar espaço na agenda pública. “Só agora a comunidade internacional começa a ver que lidar com a situação do refúgio prolongado é crucial para conter a insegurança e promover a paz duradoura em Estados frágeis, vitimados por constantes conflitos internos”, afirmou.

Loescher conheceu de perto pela primeira vez a realidade das situações de refúgio prolongado quando visitou o campo de Dadaab no Quênia em 2001, onde somalis vivem há anos fugindo da violência, da fome e da seca no país vizinho. “A maior parte daquelas pessoas vivem em situação precária, em um limbo permanente, são gerações de famílias sendo criadas em campos de refugiados”, conta.

Montados em 1991, com capacidade para abrigar 90.000 pessoas, os três campos de refugiados do Acnur (Agência das Nações Unidas para Refugiados) em Dadaab comportam hoje cerca de 250.000 somalis. E os números não param de aumentar: em 2008, 65.000 somalis buscaram refúgio no Quênia, contra 19.000 em 2007.

Loescher denunciou também a falta de perspectivas dos refugiados em uma situação como esta e o direito de liberdade de movimento e de trabalharem que lhes é negado pelas próprias circunstâncias da vida no campo de refugiados por anos. Os impactos psicológicos dessa situação permanente se refletem no aumento de casos de violência e suicídios entre refugiados.

“Os refugiados são vistos como um peso, em vez de terem seu potencial aproveitado”, disse. Ele destacou que o envolvimento e o treinamento dos refugiados com trabalhos de infraestrutura e comércio nos campos podem contribuir para fortalecer a economia local e ajudar a mudar a cena política dos países de onde vieram.

Por coincidência, Loescher havia ido ao escritório da ONU em Bagdá conversar com Vieira de Mello, em agosto de 2003, justamente sobre a situação dos refugiados iraquianos que tinham fugido para a Síria e a Jordânia, após a invasão dos Estados Unidos. “Eu tinha feito várias visitas à região e os iraquianos sempre me perguntavam se um dia poderiam voltar em segurança para seu país”, conta o professor americano sobre o conflito que gerou mais uma situação de deslocamento prolongado.

“Muito ainda pode ser feito e precisa ser feito para mudar tudo isso. Sergio passou a maior parte de sua carreira ajudando os refugiados, foi uma pessoa singular. E foi a coragem e a esperança de tantos refugiados que conheci que me deram coragem e esperança para me recuperar após o atentado. Se acreditarmos nos refugiados e nos ideais de Sergio Vieira de Mello não podemos permitir que as situações de deslocamento prolongado continuem”, finalizou Loescher, sob aplausos.


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quinta-feira, 19 de março de 2009

Tarso defende refúgio a Cesare Battisti no Senado

O ministro da Justiça, Tarso Genro, defendeu novamente nesta quinta-feira (12) a concessão de refúgio ao ex-ativista italiano Cesare Battisti na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado.

Segundo ele, o governo brasileiro não está desconsiderando o Estado Democrático de Direito da Itália, mas entende que Battisti não teve direito a ampla defesa na Justiça italiana.

“Para mim não há exercício de ampla defesa no caso do senhor Battisti. Ele deu uma procuração em branco que foi preenchida por um advogado que ele não conhecia que defendeu co-réus que ele não conhecia”, argumentou o ministro.

Segundo ele, esse é um dos argumentos que o Supremo Tribunal Federal (STF) deve levar em conta ao analisar o refúgio concedido pelo Ministério da Justiça a Battisti. “Dezenas de vezes o STF anulou penas porque concluiu que o réu não teve direito a ampla defesa e que não foi obedecido o princípio do contraditório”, disse.

O ministro explicou que, em seu despacho de concessão de refúgio, afirma que mesmo no Estado Democrático de Direito é possível haver momentos e estruturas de exceção, como aconteceu na Itália na época em que Battisti era um ativista. Na análise de Tarso, o estado pode conviver com medidas de exceção sem perder o status de democrático, porque se faz isso para manter a estrutura democrática Ele usou os Estados Unidos como exemplo.

“Não é estranho que os estados construam estruturas de exceção. E quando se diz isso não está se afirmando que o estado deixou de ser um estado de direito. Os Estados Unidos chegou a construir estruturas prisionais de exceção fora de seu território, obtendo depoimentos sob tortura, sob o argumento que estavam protegendo o estado democrático de direito. Quando decidimos pelo recurso não levamos em consideração nenhuma análise que desabonasse o estado democrático de direito da Itália”, disse.

Tarso disse ainda que a soberania brasileira tem sido atacada indevidamente na Europa e que o “Brasil não é apenas um país de dançarinas, como dito por algumas autoridades italianas”, reclamou o ministro.

Novo Refúgio

O ministro disse ainda que está em análise pelo Comitê Nacional para Refugiados (Conare) o pedido de refúgio de um outro jovem que fez parte do “esquadrão fascista” e cometeu crimes “análogos aos de Battisti”, segundo ele.

Tarso afirmou que, se todos os pressupostos legais forem respeitados, esse homem, de quem ele não citou o nome e à época tinha apenas 18 anos, também receberá o refúgio político do Brasil.

“Quero dizer a vossas excelências que está tramitando e ainda não chegou ao Ministério da Justiça a solicitação de refúgio para um integrante, jovem integrante à época, de um esquadrão fascista que foi recrutado e teve que cometer crimes análogos ao de Battisti”, comentou o ministro.

STF

O caso deverá ser analisado pelo Supremo ainda neste mês de março. Em questão, estão o pedido de revogação da prisão preventiva do italiano, a constitucionalidade da lei do refúgio – que coloca o ministro da Justiça como a última instância para conceder refúgio político –, e a solicitação do governo da Itália, que pede a revogação da decisão tomada por Tarso Genro, no dia 13 de janeiro, que concede ao ex-ativista a condição de refugiado político, e a extradição de Battisti.

Preso no Brasil desde 2007, Battisti foi condenado na Itália por quatro homicídios. Ele está detido no presídio da Papuda, em Brasília.

Fonte: www.g1.globo.com, 12 de março de 2009.