Professor de Oxford discute o refúgio prolongado, no encerramento do ciclo de palestras Sérgio Vieira de Mello em Brasília
“Para Sérgio Vieira de Mello, restaurar a dignidade dos refugiados, de suas comunidades e de suas nações era o maior trabalho humanitário da ONU”. Em uma de suas últimas frases durante palestra nesta quinta-feira no Brasil, o americano Gil Loescher apontou o caminho e o tamanho do desafio para lidar com uma das maiores crises humanitárias mundiais: a dos deslocamentos prolongados.
Professor do Centro de Estudos de Refugiados da Universidade de Oxford, Loescher é um dos maiores especialistas do mundo em direito internacional humanitário e proteção de refugiados. Veio ao Brasil esta semana encerrar um ciclo de seminários em homenagem ao brasileiro Sergio Vieira de Mello, alto-comissário da ONU que morreu em um atentado à bomba no Iraque há cinco anos. Loescher também estava no escritório que foi alvo do ataque e sobreviveu, mas outros 21 funcionários da organização morreram.
Loescher teve as pernas paralisadas pelo incidente, mas manteve a voz ativa. Em Brasília, debateu o refúgio prolongado, tema de seu livro mais recente e fruto de anos de pesquisa na área e visitas a campos de refugiados no mundo todo.
“Cerca de dois terços dos refugiados do mundo vivem em situação de refúgio prolongado, que a ONU define como populações acima de 25 mil pessoas vivendo em exílio por mais de cinco anos”, explicou Loescher.
Segundo o acadêmico, apenas recentemente a questão começou a ganhar espaço na agenda pública. “Só agora a comunidade internacional começa a ver que lidar com a situação do refúgio prolongado é crucial para conter a insegurança e promover a paz duradoura em Estados frágeis, vitimados por constantes conflitos internos”, afirmou.
Loescher conheceu de perto pela primeira vez a realidade das situações de refúgio prolongado quando visitou o campo de Dadaab no Quênia em 2001, onde somalis vivem há anos fugindo da violência, da fome e da seca no país vizinho. “A maior parte daquelas pessoas vivem em situação precária, em um limbo permanente, são gerações de famílias sendo criadas em campos de refugiados”, conta.
Montados em 1991, com capacidade para abrigar 90.000 pessoas, os três campos de refugiados do Acnur (Agência das Nações Unidas para Refugiados) em Dadaab comportam hoje cerca de 250.000 somalis. E os números não param de aumentar: em 2008, 65.000 somalis buscaram refúgio no Quênia, contra 19.000 em 2007.
Loescher denunciou também a falta de perspectivas dos refugiados em uma situação como esta e o direito de liberdade de movimento e de trabalharem que lhes é negado pelas próprias circunstâncias da vida no campo de refugiados por anos. Os impactos psicológicos dessa situação permanente se refletem no aumento de casos de violência e suicídios entre refugiados.
“Os refugiados são vistos como um peso, em vez de terem seu potencial aproveitado”, disse. Ele destacou que o envolvimento e o treinamento dos refugiados com trabalhos de infraestrutura e comércio nos campos podem contribuir para fortalecer a economia local e ajudar a mudar a cena política dos países de onde vieram.
Por coincidência, Loescher havia ido ao escritório da ONU em Bagdá conversar com Vieira de Mello, em agosto de 2003, justamente sobre a situação dos refugiados iraquianos que tinham fugido para a Síria e a Jordânia, após a invasão dos Estados Unidos. “Eu tinha feito várias visitas à região e os iraquianos sempre me perguntavam se um dia poderiam voltar em segurança para seu país”, conta o professor americano sobre o conflito que gerou mais uma situação de deslocamento prolongado.
“Muito ainda pode ser feito e precisa ser feito para mudar tudo isso. Sergio passou a maior parte de sua carreira ajudando os refugiados, foi uma pessoa singular. E foi a coragem e a esperança de tantos refugiados que conheci que me deram coragem e esperança para me recuperar após o atentado. Se acreditarmos nos refugiados e nos ideais de Sergio Vieira de Mello não podemos permitir que as situações de deslocamento prolongado continuem”, finalizou Loescher, sob aplausos.