quarta-feira, 1 de abril de 2009

Muçulmanos chineses viram desafio para governo Obama

Ilshat Hassan, um refugiado Uighur da China, se ofereceu para receber um ex-detendo de Guantánamo em sua casa
Ilshat Hassan, um refugiado Uighur da China, se ofereceu para receber um ex-detendo de Guantánamo em sua casa
01 de abril de 2009
The New York Times

William Glaberson e Margot Williams


Quando Ilshat Hassan fugiu da China, encontrou refúgio, um emprego na consultoria Booz Allen e um apartamento nos subúrbios da Virgínia. Hassan, um homem intenso que foi professor universitário, está entre os 300 exilados da minoria uighur, muçulmanos originários do oeste da China, que vivem pacificamente na região de Washington, de onde o governo norte-americano vem apoiando seus esforços pela democracia. Mas enquanto os Estados Unidos servem como anfitriões a Hassan e outros de seus compatriotas, mantêm 17 membros da mesma etnia aprisionados na Baía de Guantánamo, em Cuba.

"A história deles é a minha história", diz Hassan, com um tom de nervosismo na voz. Ele quer dizer, com isso, sua fuga, em 2003, ao repressivo regime chinês, mas não os detalhes específicos, que no caso dos 17 prisioneiros uighurs envolvem sete anos de isolamento e desespero.

Os uighurs se tornaram uma espécie de teste quanto à situação de Guantánamo: alguns os veem como refugiados sem sorte, e outros como perigosos conspiradores. Para o governo Obama, a tarefa de determinar qual dessas definições é a correta e se os homens podem ser libertados em território dos Estados Unidos dificulta os planos do presidente para fechar a prisão de Guantánamo. Qualquer que seja sua escolha, certamente provocará reações intensas.

O dilema assumiu caráter mais urgente porque o plano de fechar Guantánamo depende de que outros países aceitem receber alguns dos 241 prisioneiros restantes; os diplomatas dizem que, com o embarque do presidente para uma viagem à Europa, na teça-feira, o plano poderia encontrar obstáculos a não ser que os Estados Unidos sinalizem a disposição de receber alguns dos prisioneiros de Guantánamo em seu território.

Mas em seu país o presidente Obama enfrenta a perspectiva de fortes protestos, de alguns setores, caso aceite os prisioneiros que o governo Bush classificou como terroristas e proibiu de ingressar em território norte-americano. As notícias sobre a possível libertação de alguns deles já geraram, denúncias e ansiedade entre grupos militares, familiares das vítimas de 11 de setembro e líderes políticos.

"Não creio que o povo deseje receber pessoas que podem ser terroristas nos Estados Unidos", disse o deputado J. Randy Forbes, republicano da Virgínia. Havia sinais, na terça-feira, de que o processo decisório estava se acelerando. Funcionários do governo estavam em Guantánamo entrevistando os 17 homens a fim de averiguar se seria lícito libertá-los, talvez nos Estados Unidos, disse um representante do governo.

Mas uma revisão detalhada de milhares de páginas de documentos sugere que respostas definitivas sobre quem de fato são os 17 uighurs talvez sejam difíceis de obter. O material disponível publicamente, incluindo relatórios de serviços de inteligência e documentos judiciais e de audiências militares, muitas vezes apresenta um quadro nebuloso.

Eles terminaram detidos pelos norte-americanos no Afeganistão e no Paquistão em 2001 e 2002, em alguns casos depois do pagamento de recompensas por sua captura. O histórico de cada um deles é inexato: sapateiro, chapeleiro, datilógrafo no idioma de origem turca empregado pelos uighurs. As provas contra eles foram declaradas dúbias por tribunais federais norte-americanos. Mas antigos funcionários do governo Bush disseram em entrevistas que não haviam sido conduzidos esforços sérios para deslindar esses mistérios.

Ainda assim, na comunidade de uighurs expatriados em Washington, Hassan e outros refugiados argumentam que é evidente que esses homens não representam perigo. Eles se ofereceram para receber os prisioneiros em suas casas, caso sejam libertados. Libertar os uighurs representaria um momento singular no debate sobre Guantánamo, pois os críticos do regime de detenção veriam essa decisão como confirmação final de que homens inocentes foram trancafiados lá.

As intenções específicas dos uighurs que estavam no Afeganistão em 2001 são difíceis de definir. "Não havia nada a fazer lá a não ser aprender como combater os chineses e depois retornar", disse um deles a um painel militar. O governo Bush reconheceu no final do ano passado que nenhum deles podia ser considerado como combatente estrangeiro. Em seguida, o Departamento da Justiça argumentou que jamais deveriam ser admitidos nos Estados Unidos porque "queriam praticar o terrorismo" na China.

Os advogados dos detidos afirmam que essa alegação representa "aprisionamento por difamação". Eles concentram seu ataque nas provas de que 13 dos homens teriam passado algum tempo em um acampamento uighur perto de Jalalabad, no Paquistão, que os advogados descrevem como na verdade "um inocente punhado de casas em uma encruzilhada de estradas de terra".

O armamento presente na "aldeia uighur", disseram os prisioneiros em suas audiências militares, consistia de um único fuzil Kalashnikov e uma pistola. Eles se queixaram de políticos chinesas que, segundo suas alegações, incluem aborto forçado, prisões políticas e tortura de dissidentes.

Mas funcionários do governo Bush alegaram que entre os prisioneiros uighurs havia homens capturados em zonas de batalha ativas, e um especialista em treinamento com armas de fogo, um uighur que alega ter sido confundido com outra pessoa. O governo Bush alega que o acampamento era um centro de treinamento operado por um grupo de resistência uighur que o Departamento de Estado norte-americano classificou como organização terrorista em 2002, o Movimento Islâmico do Turquestão Oriental.

A designação mais causou que resolveu dúvidas. A classificação do movimento como terrorista, adotada depois que os 17 homens já haviam sido detidos, surgiu por insistência da China, em um momento no qual os diplomatas norte-americanos estavam pressionando pelo apoio de Pequim à guerra então iminente contra o Iraque.

O Departamento de Estado admitiu que os chineses usaram a classificação do grupo como terrorista a fim de justificar severas medidas de repressão aos separatistas uighurs, semelhantes às políticas, mais conhecidas, que as autoridades chinesas empregam com relação ao Tibete.

Mas especialistas em assuntos chineses argumentam que a designação do movimento como terrorista pelos norte-americanos parece ser baseada em informações incorretas. Em 2002, a China alegou que oito pequenos e pouco conhecidos grupos de uighurs haviam cometido mais de 200 atos terroristas, nos 11 anos precedentes. Mas, poucos meses mais tarde, os norte-americanos atribuíram a culpa por todos esses atentados ao Movimento Islâmico do Turquestão Oriental (Etim).

"De repente, era tudo culpa do Etim", disse James Millward, historiador na Universidade de Georgetown que escreveu sobre a decisão de classificar o grupo como terrorista. Dru Gladney, especialista em assuntos chineses no Pomona College, disse que a confusão pode ter exagerado a importância do grupo, o qual segundo ele talvez tivesse apenas 10 membros.

Ainda assim, diversos dos prisioneiros reconheceram em seus depoimentos que seu acampamento no Afeganistão tinha elos para com um expatriado uighur, Hasan Mahsum, que se descrevia como líder do movimento separatista Etim. Mahsum negou quaisquer conexões entre seu grupo e a Al-Qaeda, mas essa negação de maneira alguma encerrou a questão. O líder terminou morto pelo exército paquistanês em, 2003, em um ataque contra o que os paquistaneses descreveram como um esconderijo da Al-Qaeda.

Os arquivos sobre os uighur herdados pelo governo Obama estão repletos de ambiguidades como essas, de acordo com as informações publicamente disponíveis. Ainda assim, cinco antigos membros do governo Bush declararam em entrevistas que não conheciam quaisquer esforços para recolher mais informações sobre os prisioneiros, mesmo depois que um tribunal federal de recursos, em junho, ridicularizou as informações secretas sobre os prisioneiros uighur como não mais que boatos.

Em decisão adversa ao governo Bush, o tribunal de apelações federal em Washington afirmou que havia razão para acreditar que a fonte das alegações infundadas era nada menos que o governo da China, o qual, segundo o tribunal, estava longe de qualquer objetividade quanto ao tema. Mas, disse um antigo funcionário do governo Bush, "ninguém voltou atrás para verificar os fatos uma segunda vez".

Andrew Levy, que foi diretor jurídico assistente no Departamento de Segurança Interna durante o governo Bush, disse que as informações eram suficientes para convencer as autoridades de que os homens não deveriam ser autorizados a entrar nos Estados Unidos. "Seria difícil dizer que permitir a entrada deles não envolveria riscos", disse Levy.

Os norte-americanos afirmam que não pretendem entregar os prisioneiros à China - que vem exigindo seu repatriamento - porque temem que eles sejam torturados ou maltratados. Mas depois de 2006, quando a Albânia aceitou receber cinco uighurs detidos em Guantánamo, outros 100 países se recusaram a receber os demais 17, de acordo com funcionários do Departamento de Estado.

Tradução: Paulo Migliacci ME


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