domingo, 5 de abril de 2009

Site de relacionamento ajuda refugiados a reencontrar parentes pelo mundo

Refugees United já tem escritório para refugiados no Brasil.
Sede em São Paulo vai ser base para operação na América do Sul.

Daniel Buarque

A página do Refunited, o site que se propõe a ajudar refugiados a encontrar seus parentes pelo mundo (Foto: Divulgação)

Encontrar aqueles amigos da escola com quem não se tem contato há anos usando ferramentas como o Orkut pode ser fácil e divertido para quem vive no Brasil. No caso de famílias separadas pela guerra, quando cada pessoa se tornou refugiada em um país diferente, conseguir encontrar os parentes com quem não se tem mais contato é quase uma questão de sobrevivência. E agora uma ferramenta global na internet se propõe a fazer esta ligação, atuando como uma espécie de Orkut para refugiados.

Lançado oficialmente em novembro do ano passado, o Refunite.org é o site da ONG Refugees United, que foi fundada em 2005 por dois irmãos dinamarqueses que trabalhavam com a adaptação de refugiados no país nórdico. Eles perceberam que havia necessidade para uma ferramenta deste tipo quando tentaram ajudar um jovem afegão a encontrar sua família, de quem havia se separado ao fugir do país pelo norte do Paquistão.

"Pensávamos que seria fácil, já que usávamos a internet para encontrar pessoas e para descobrir qualquer coisa que quiséssemos", disse Christopher Mikkelsen, um dos fundadores, em entrevista ao G1. "Começamos a falar com agências e instituições que ajudam a refugiados pelo mundo e descobrimos que, apesar de serem muito competentes em ajudar na transferência dessas pessoas, eles não tinham capacidade de encontrar as pessoas e reunir famílias separadas."

A partir da esquerda, os fundadores do Refugees United, David e Christopher Mikkelsen, e o refugiado afegão Mansour (Foto: Divulgação)

Mansour, o garoto afegão que eles tentavam ajudar, acabou indo ao Paquistão e descobrindo que seu irmão estava na Rússia, após ser vendido como escravo. Ele continuou buscando até que conseguiu encontrá-lo, mas as dificuldades desse processo fizeram os irmãos Mikkelsen pensarem que seria necessária uma ferramenta específica para isso.

"Nós éramos dois dinamarqueses, com boa educação, com recursos, com todas as possibilidades em comparação aos refugiados, e mesmo assim pesquisamos em todas as agências possíveis e não encontramos nada. Por que ninguém nunca havia criado um banco de dados global de refugiados, para que eles pudessem se cadastrar de forma anônima, em seu próprio idioma, ajudando eles a encontrarem seus parentes sem necessidade de entrar com um longo processo junto a agência de refugiados?"

Após se surpreenderem ao descobrir que nada assim existia até então, foi o que eles fizeram. O Refunite atua exatamente assim, permitindo que os refugiados se cadastrem de forma anônima, podendo usar apelidos que só parentes reconheceriam, e sem precisar dar informações que os possam colocar em perigo (nem todos os refugiados vivem em situação legal em países mais desenvolvidos, ou se sentem seguros). O registro pode ser feito em 23 idiomas, incluindo línguas africanas pouco difundidas.


Dificuldades

Ao contrário das classes médias altas de países um pouco mais estruturados, público alvo de sites de relacionamento pelo mundo, os refugiados nem sempre têm acesso irrestrito a computadores, o que poderia limitar a ação do Refunite. Aí entram as ONGs de apoio a essas pessoas que são forçadas a deixar seus países de origem. Segundo Mikkelsen, o objetivo do Refugees United é ser apenas uma ferramenta, a ser usada de forma mais intensa pelas ONGs em ação direta com grupos de refugiados.

"Ao contrário do que se pensa, os refugiados têm acesso à internet. Claro que muitos têm situação difícil, mas um grande número deles estão na rede. A maior parte do nosso trabalho consiste em manter contato com ONGs e organizações que trabalham com refugiados para que eles levem a internet até eles. Se não podem fazer a ligação entre todas as famílias, que pelo menos permitam que os refugiados tenham acesso a esta ferramenta", explicou.

"Estamos aproveitando a explosão que a internet está experimentando nos países de terceiro mundo. É nesses lugares mais pobres, onde há mais pessoas separadas, que precisamos atuar de forma preventiva, mantendo a ligação das famílias pela internet."


Números

A ONG ainda não tem nenhum número que simbolize os avanços na união de familiares refugiados desde que o site entrou no ar, há quatro meses. Segundo Mikkelsen, o fato de o cadastro ser feito de forma anônima, e de eles não registrarem mais informações sobre os refugiados inscritos no site, dificulta falar em dados concretos.

"Acredito que até o momento tenhamos poucos resultados. Nosso trabalho até agora tem sido apenas o de espalhar informações sobre nosso projeto, formar parcerias com as organizações que ajudam refugiados, fazer com que eles tenham conhecimento da ferramenta e saibam utilizá-la. Estamos formando a base do trabalho o Refunite. Estamos formando as relações para que o sistema se consolide", disse. Segundo ele, em seis meses o portal terá uma seção para que as pessoas que conseguiram encontrar parente possam contar suas histórias.

Mesmo sem dados concretos, Mikkelsen se mostra otimista em relação ao trabalho e à importância que pode ter cada reunião familiar. "Digamos que possamos ajudar 10% dos refugiados do mundo. Pode parecer pouco, mas falamos de milhões de pessoas." Segundo o relatório mais recente do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), divulgado em 2008, o número de refugiados e deslocados internos no mundo todo chega a 37,4 milhões de pessoas. O número de refugiados sob a responsabilidade direta desse organismo da ONU passou de 9,9 milhões para 11,4 milhões no final de 2007.


Brasil

A Refugees United conta com apenas três escritórios oficiais no mundo, um em Copenhague, onde surgiu, outro em Nova York e um terceiro, no Brasil. Na entrevista que concedeu ao G1, Mikkelsen revelou que a sede do grupo em São Paulo será inaugurada daqui a duas semanas e oferecerá 12 computadores para que refugiados no Brasil possam ter acesso ao Refunite.

Segundo ele, o Brasil tem sido um dos países mais importantes nas parcerias globais formadas pelo grupo, e aqui vai ser o centro de operações para os refugiados em todo o continente sul-americano.

"Vivemos num lugar do mundo em que não temos uma visão muito completa da situação dos refugiados. Aqui as pessoas não sabem que a Colômbia é um dos países com mais refugiados. Aqui as pessoas associam os refugiados apenas ao Iraque e à Palestina. Nossa relação com o Brasil se desenvolveu muito rapidamente, e queremos que o país seja a base do nosso trabalho na América do Sul", disse.

Segundo o relatório mais recente da Acnur, há no Brasil 3.800 refugiados de outros países, a maioria africanos. A Colômbia, mencionada por Mikkelsen, é o país de origem de 552 mil refugiados.


Fonte: G1 (São Paulo, 30/03/2009).

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