quarta-feira, 15 de abril de 2009

Os 15 anos do genocídio de Ruanda

Durante 100 dias, de 6 de abril a 4 de julho de 1994, o mundo inteiro assistiu, passivamente, ao extermínio brutal e desumano de 800 mil ruandeses, na maior parte, membros da etnia Tutsi. Para Rony Brauman, um dos fundadores e ex-presidente da organização Médicos sem Fronteiras, a ação da justiça internacional no caso de Ruanda foi extremamente limitada. "Estes crimes continuam impunes, metodicamente ignorados pela comunidade internacional, pela imprensa e pelos observadores de Ruanda", critica.
Marta Fantini - Especial para Carta Maior


Quinze anos depois, as imagens do genocídio do Ruanda ainda estão gravadas na memória coletiva. Durante 100 dias, de 6 de abril ao 4 de julho de 1994, o mundo inteiro assistiu, passivamente, ao extermínio brutal e desumano de 800 mil ruandeses, na maior parte, membros da etnia Tutsi.

Em agosto de 1993, o governo formado por representantes Hutus e a Frente Patriótica Ruandesa (FRR), Tutsi, assinaram um tratado de paz, após três anos de uma guerra civil que provocou a morte de milhares de pessoas, o deslocamento de milhares de refugiados e que deixou a economia do país paralisada.

No dia 6 de abril de 1994, o presidente ruandês, Juvenal Habyarimana, e o presidente do Burundi, Cyprien Ntaryamira morreram em um misterioso acidente aéreo. Assim que a informação foi divulgada, a inimizade irrompeu entre a comunidade Hutu, numericamente superior e dominate, e os Tutsis, grupo minoritário. Neste mesmo dia, a guarda presidencial, setores das forças armadas, a milícia civil e uma parte da população se lançaram no assassinato sistemático dos Tutsis e dos Hutus pró Tutsi. E o que parecia uma revolta limitada, tornou-se um massacre que ultrapassou a imaginação, numa lógica de eliminação recíproca.

Neste mesmo ano, 1994, Rony Brauman, um dos fundadores e ex-presidente de Medécins Sans Frontière (Médicos sem Fronteira), organização humanitária que recebeu o prêmio Nobel da Paz em 1999 - publicou “Diante do Mal, Ruanda : um genocídio ao vivo”. Desde os primeiros dias do conflito, as organizações humanitárias, presentes no território ruandês, alertaram as autoridades a respeito do massacre. A mídia transmitia, diariamente, imagens terríveis da violência da exterminação, sem que os dirigentes mundiais reagissem.

Médico, diplomado em epidemiologia e medicina tropical, engajado desde 1977 no setor da ação humanitária, Rony Brauman esteve presente no palco de atrocidades humanas na Etiópia, na Somália, no Kosovo, etc. Rony Brauman é também ensaísta e publicou várias obras de reflexão sobre a intervenção humanitária, entre elas “Pensar na Urgência: percurso crítico de um humanitário”. De origem israelense, ele é considerado um traidor pela comunidade judaica, por criticar a política de Israel. “A discórdia: Israel-Palestina, os judeus e a França” que Brauman publicou, em 2006, em parceria com o filósofo Alain Finkielkraut, é o produto das análises controvertidas sobre a questão israelo-palestina.

Rony Brauman aceitou o convite da Carta Maior para evocar os 15 anos do genocídio do Ruanda e o papel da Corte Penal Internacional.

Marta Fantini: O presidente da etnia Hutu, Juvenal Habyarimana, chegou ao poder através de um golpe de Estado, em 1973. Católico e próximo da rica Igreja ruandesa, que se sentia ameaçada pelos socialistas Tutsis, Habyarimana usava o racismo como base do seu discurso político. Apesar de todos estes fatores, a França apoiava o seu regime. Na época, os Médicos sem Fronteiras criticavam a posição francesa por ignorar as intenções do presidente ruandês.

Rony Brauman: A política não faz parte das nossas preocupações essenciais. O objetivo de uma organização humanitária não é o de criticar as relações ou escolhas políticas dos países onde ela atua, senão, seria impossível agir nas zonas de conflito. No entanto, criticamos a estratégia francesa na África. Talvez para manter sua influência no Conselho Permanente de Segurança da ONU, a França defende, a qualquer preço e quaisquer que sejam as consequências, os regimes considerados como amigos. Esta tradição da França de manter as antigas amizades do período pós colonial é criticada, não somente pelas ONGs.

MF: Os santuários sagrados, locais de paz inviolável - serviram de armadilha para o massacre de centenas de crianças, mulheres e idosos que neles buscavam refúgio. Algumas destas igrejas foram transformadas em museus, onde crânios das vítimas estão expostos para “exorcizar o Mal”. Vários testemunhos acusam a participação ativa ou passiva, por medo de represália, da Igreja Católica Ruandense, durante o genocídio. Duas freiras foram julgadas e condenadas, na Bélgica, por cumplicidade. Outros membros da Igreja foram igualmente perseguidos pela Justiça. Como recentemente a Igreja provocou vivas reações no mundo ocidental, em relação à excomunhão, será que o Vaticano baniu, ou puniu os eclesiáticos implicados neste massacre?

RB: Um processo foi lançado contra um religioso, que acabou por ser inocentado. Parece que não houve nenhum testemunho realmente convincente em relação a sua culpa. Ele tinha sido acusado de proteger um grupo de Tutsis, perseguido pelas forças governamentais, para entregá-lo, algum tempo depois, às milícias. O único caso, na minha lembrança, em que houve um processo judiciário, mas sem consequências. A ação da Justiça Internacional no caso do Ruanda é extremamente limitada. Os fatos remontam a 1994. Os massacres cometidos antes desta data não entram no domínio da competência da CPI. A Corte Penal Internacional foi criada pelo Tratado de Roma, em julho de 1998.

O Tribunal Penal Internacional para o Ruanda (TPIR) se interessa pelos próximos do regime de Habyarimana, pelos responsáveis pelo governo de transição, ou seja os suspeitos pelo atentado que causou a morte de dois presidentes. Este governo transitório foi, sem dúvida, o estrategista do genocídio. Esses indivíduos são visados através de diferentes processos. Todavia, não podemos esquecer que houve massacres cometidos também pelos adversários do regime Habyarimana, crimes de massa perpetrados pelo Exército Patriótico Ruandês, o setor armado do partido político Frente Patriótica Ruandesa, as forças dirigidas pelo atual presidente Robert Kagamé.

Estes crimes continuam impunes, metodicamente ignorados pela comunidade internacional, pela imprensa e pelos observadores de Ruanda. Não se trata de confrontar as vítimas do genocídio com seus carrascos. O que deve ficar claro, é que houve uma guerra civil e um genocídio. Os responsáveis pelo genocídio foram julgados em condições discutíveis, mas foram julgados. Enquanto que os militares, que assassinaram milhares de pessoas, no contexto de uma guerra civil, escaparam a todo tipo de perseguição.

MF: Depois da sua criação, a Corte Penal Internacional livrou quatro mandados contra os governos da República Democrática do Congo, Uganda, República Centro Africana e o Sudão. Desde que a sentença contra o presidente Omar El Bechir foi promulgada pelo procurador da CPI, Luis Moreno-Ocampo, o senhor se tornou uma voz dissonante, apontando os riscos que tal medida poderia provocar. Georges Clooney e seu pai, Nick Clooney, produziram o documetário “Um dia em Darfur : crônica de uma viagem”. Esta midiatização mundial do conflito poderia ter influenciado a decisão da Corte Penal Internacional de lançar um processo contra o presidente sudanês?

RB: Sim, eu acredito que seja o caso. O processo contra El Bechir me parece estar em relação direta com a campanha internacional da qual George Clooney foi um dos representantes mais célebres. Não tenho nenhuma razão de duvidar da sinceridade dele. Somente quero precisar que ele recusou o diálogo com todos aqueles que não concordavam com o tema da sua mobilização.

Assim que os Médicos sem Fronteira constataram que não havia genocídio em Darfur, entraram em contato com o ator norteamericano. Havia, porém, uma outra razão importante para solicitar este encontro: a fundação de George Clooney havia proposto dinheiro para as ações de MSF, em Darfur. Mas, como este dinheiro poderia exalar um forte perfume político e ideológico, seria delicado utilizá-lo. MSF queria, antes de mais nada, explicar a George Clooney as razões pelas quais este dinheiro não poderia ser aceito. Clooney recusou a receber seus representantes, não em razão da doação, mas por não aceitar os argumentos e os testemunhos de MSF, que eram incompatíveis com a sua posição.

É provável que haja uma relação direta entre esta campanha midiatizada e a não condenção de El Bechir. Há realmente pontos concordantes nos argumentos do procurador da CPI, Luis Moreno-Ocampo, que repete afirmações e análises provindas diretamente de “Safe Dafur" ou “Urgence Darfur France” que são, de maneira geral, seus correspondantes, seus afiliados. Afirmações, segundo as quais milhares de pessoas continuam a ser perseguidas e que os campos de refugiados são locais de genocídio em potencial, são sem fundamento.

Seguir a lógica da CPI é entrar numa inflação judiciária em que, por falta de percepção ou de informações, todos os conflitos acabarão por ser genocidários. Ora, o emprego de milícias, da tortura e o deslocamento forçado das populações são, infelizmente, práticas de guerra. Confundi-las com genocídio, é subtrair da História e da Política as relações de compromisso e de diálogos diplomáticos.

Tanto o regime sudanês como as milícias cometeram atrocidades contra a população. Mas afirmar que houve intenção de exterminar os povos de Darfur é pura especulação. Se fosse o caso, como explicar que mais de dois milhões de darfurianos procuraram refúgio junto ao exército de suas províncias, ou que um milhão deles vivem em Kartum, sem nunca terem sidos incomodados? Seria possível imaginar os Tutsis pedirem proteção às forças armadas ruandesas, em 1994 ou os judeus à Wehrmacht em 1943?

O enorme dispositivo humanitário, implantado no Darfur, contribuiu para salvar milhares de vida. A incrimação de Omar El Bechir destrói a ajuda humanitária, que sustenta a vida cotidiana destas populações, e arrruína toda possibilidade imediata de negociação entre os rebeldes e o governo.

MF: Apesar da existência de organismos internacionais criados para evitar os conflitos entre os povos e punir os responsáveis de crimes de guerra e genocídios, a Históra se repete, com transmissão ao vivo, via satélite, do que é capaz a selvageria humana. Alguns países, como os Estados Unidos, a Rússia, China e Israel jamais retificaram o Tratado de Roma, talvez por temerem suas próprias ações : Estados Unidos no Iraque; China na questão do Tibete e Israel em relação a ocupação dos territórios palestinos e os crimes cometidos em janeiro.

RB: A extrema violência dos ataques contra Gaza já seriam suficientes para serem declarados como crimes de guerra. Mas não houve guerra, houve um ataque. Além disso, me pergunto se seria possível existir guerra sem crime de guerra. Seria uma ficção. O problema fundamental da CPI, é que ela está sob autoridade direta do Conselho de Segurança da ONU. Somente a Organização das Nações Unidas pode fazer apêlo à Corte ou suspender uma decisão por ela emitida. Além disso, ela não exclui a aplicação do artigo 16 que permite suspender, durante um ano, qualquer investigação ou processo, se o Conselho de Segurança considerar as hostilidades uma ameaça à paz.

O que é evidente, por razões explicitamente políticas, que nem Putin, cuja responsabilidade nos massacres na Chechenia é imensa, nem os dirigentes chineses, americanos ou israelenses serão incomodados por quem quer que seja. Estes países ocupam posições Permanentes no Conselho de Segurança da ONU. Não é o caso de Israel, mas a lógica é a mesma, já que este país é protegido pelos EUA. A impressão que ressalta da CPI, de imediato, é que alguns países são sancionados e outros, cujos crimes são tão graves ou piores, nenhuma punição é invocada. Nestas condições, podemos dizer que a CPI é seletiva, que não se trata de Justiça, mas acerto de contas, que é o oposto da verdadeira Justiça.

MF: Existe, então, pouca chance que Israel seja julgado pelos crimes cometidos contra os palestinos de Gaza?

RB: Sim. Não podemos imaginar, num futuro previsível, que estes crimes serão punidos. Algumas investigações serão efetuadas pelo próprio exército israelense e talvez uma comissão de juristas apresentará alguns relatórios. As conclusões serão contraditórias e os erros apontados serão atribuídos igualmente aos responsáveis de cada campo. Alguns soldados, que cometeram atos inaceitáveis, serão condenados para celebrar os méritos da democracia israelense e passaremos a outra coisa, como aconteceu sistematicamente com todos os crimes cometidos pelo exército israelense. Depois a imprensa evocará outros eventos, a vida seguirá seu rumo, e tudo será enterrado.

Aproveito para frisar que o ataque particularmente sanguinário e espetacular de Gaza, faz parte de uma estratégia que é, de uma certa maneira, mais grave do que os acontecimentos de janeiro. Esta estratégia visa a enfraquecer e a expulsar os palestinos, num processo lento e seguro de ganhar cada vez mais partes de territórios e aumentar a fronteira de Israel, em contradição com todas as obrigações teoricamente impostas aos israelenses pelo direito internacional. Este é o problema central do caso israelo-palestino e que evidentemente não é tratado pela CPI. Talvez a presidência de Obama tente uma abertura para o processo de paz, mas isso não quer dizer que sanções penais serão aplicadas contra os dirigentes israelenses.

MF: A presença de Ehud Barak e dos Trabalhistas no governo Benyamin Nétanyahou seria uma maneira de temperar as preocupações internacionais provocadas pela controversa nomeação de Avigdor Lieberman, chefe do partido de extrema direita ? A política deste governo será a mesma ou pior em relação ao conflito com os palestinos ?

RB: Pelo que tudo indica, penso que não haverá mudança política. Será talvez mais brutal, em razão do perfil da composição do novo governo israelense. Não devemos esquecer que Ehud Barak possui um título de glória particularmente célebre, além de seu talento de pianista: ele foi um membro ativo, um oficial do esquadrão da morte, no Líbano, nos anos 80. Seus feitos de armas heróicos consistem na sua participação na eliminação física da maior parte dos intelectuais e dos ativistas palestinos refugiados no Líbano. Não há nada a esperar da parte dele, ao contrário. Ehud Barak aceita, e o que parece lógico, fazer parte de um governo de coalizão com a extrema direita nacionalista e fascista.

O que poderá ser positivo, nisto tudo, é que este governo será dificilmente frequentável . Aqueles que hesitam a apertar as mãos de extremistas, em outras partes do mundo, como é o caso dos líderes da Palestina, vão se sentir constrangidos com a obrigação de cumprimentar Avigdor Liberman, o grande admirador de Putin, que literalmente destruiu a Chechenia. Eis o sonho de Avigdor Liberman: aplicar os métodos de Putin na Palestina. Minha única expectiativa é que a presença dos extremistas israelenses no poder, aumentará o isolamento de Israel e contribuirá, talvez, para mudar o ponto de vista da comunidade internacional. É apenas uma esperança e não uma análise

Marta Fantini é produtora e apresentadora do programa "Le Brésil en Noir & Blanc", na Rádio Campus Bordeaux - France
www.bordeaux.radio-campus.org

domingo, 5 de abril de 2009

"Palestinos são a elite na Jordânia"

Maioria enriqueceu como empresários do setor privado no único país árabe que deu cidadania aos refugiados

Gustavo Chacra


Em Israel, algumas correntes políticas afirmam que a verdadeira pátria palestina é a Jordânia. O argumento é o de que há quase tantos palestinos quanto jordanianos no país. Até mesmo a rainha Rania é palestina. Esses israelenses têm razão, em parte. Há de fato uma grande quantidade de palestinos na Jordânia, mas a maior parte deles chegou a partir de 1948 e, especialmente, após 1967, como refugiados das guerras árabe-israelenses. São originalmente de cidades onde hoje é Israel, Cisjordânia e Faixa de Gaza.

Como a Jordânia ofereceu cidadania, hoje esses palestinos são também jordanianos. Podem trabalhar, votar e têm todos os direitos dos jordanianos nativos. Um cenário que contrasta com a situação no Líbano, onde os palestinos são confinados em campos de refugiados, sem cidadania e proibidos de exercer uma série de profissões.

Em Amã, diferentemente de Beirute, os palestinos compõem a elite. Enquanto os jordanianos nativos rumaram para empregos públicos, os palestinos dominaram a iniciativa privada, onde conseguiram enriquecer.

Com bons apartamentos, salários elevados e vivendo no que é provavelmente o país mais pacífico da região, eles teriam tudo para se sentir em casa.

Em qualquer rua da capital jordaniana, porém, quando indagados sobre qual seria sua nacionalidade, eles respondem: "Palestinos". Ainda que sejam nascidos em Amã, dirão que são de Nablus, Jenin ou Belém.

Dos palestinos e descendentes que vivem na Jordânia, há dois grupos. Primeiro, os que deixaram ou foram expulsos de suas terras em 1948 e não podem retornar - a não ser que consigam um visto de Israel.

Como israelenses e jordanianos mantêm relações diplomáticas, teoricamente, cidadãos da Jordânia podem visitar Israel com um visto. No início dos anos 90, depois da assinatura da paz entre Yitzhak Rabin e o rei Hussein, muitos conseguiram.

O problema é que, como parte deles não deixou mais Israel ou os territórios palestinos, os israelenses passaram a ser mais rigorosos.

"Acho humilhante ter de pedir um visto para a minha própria pátria, sendo que, na verdade, é quase certo que não receberei", disse ao Estado o palestino Abu Shakra.

O segundo grupo são os palestinos que deixaram o território em 1967, que podem visitar a Cisjordânia desde que tenham identidade palestina. Eles devem cruzar a fronteira pela ponte Allenby. O processo é demorado e muitos dizem que são humilhados.

Os palestinos entrevistados pelo Estado reclamaram da maneira como são tratados pelos israelenses. Israel defende-se e afirma que interrogatórios e inspeções são necessárias por questões de segurança.

Existem 2,7 milhões de palestinos e descendentes na Jordânia, dos quais 1,9 milhão são descritos como refugiados, segundo a ONU. É a maior quantidade de refugiados palestinos em todo o mundo, cerca de cinco vezes mais do que no Líbano, que vem em segundo lugar.

Eles não vivem tão longe da terra onde nasceram. Amã está a uma hora da fronteira. Se dirigirem em direção ao sul, durante todo o trajeto observam os territórios palestinos e Israel do outro lado.

A Jordânia, assim como Israel, Cisjordânia e Faixa de Gaza, era parte do Império Otomano até o fim da 1ª Guerra. O território passou para as mãos dos britânicos, que estabeleceram ali uma monarquia aliada: os hashemitas. Sem grandes cidades, a maior parte do território era habitada por beduínos, bem diferente das cidades palestinas, estabelecidas há séculos.

Fonte: Estadão.com.br (05/04/2009).

Enviado dos EUA para Sudão quer melhorar situação em Darfur

O enviado especial dos Estados Unidos para o Sudão, general Scott Gration, mostrou hoje seu desejo de que melhore a situação humanitária na região sudanesa de Darfur, castigada por um conflito há mais de seis anos.

O responsável americano, que chegou na quinta-feira passada ao Sudão, fez essa declaração aos jornalistas em Al-Fasher, capital de Darfur Norte, aonde chegou hoje para se informar sobre os problemas enfrentados pelos deslocados por causa do conflito, que, segundo a ONU, poderia superar 2 milhões de pessoas.

Gration insistiu em seu interesse de que melhore a situação dos habitantes e refugiados nessa região, e em encontrar uma solução para a crise entre o Governo sudanês e as 13 organizações humanitárias estrangeiras que tiveram que deixar o país.

Além disso, Gration disse que hoje visitará alguns campos de refugiados para ver no terreno a situação humanitária na região.

Os líderes de tribos locais pediram ao emissário dos EUA que seu país ajude na revogação da ordem de detenção do TPI contra o presidente sudanês, Omar al-Bashir.

Gration respondeu que os EUA não eram signatário do Estatuto de Roma, que levou à criação do TPI, e que sua visita ao Sudão não está relacionada a esse assunto.
No entanto, o representante americano ressaltou a necessidade de que todas as pessoas envolvidas em crimes em Darfur sejam levadas à Justiça.

Fonte: G1 / EFE - Cartum (04/04/2009).

Site de relacionamento ajuda refugiados a reencontrar parentes pelo mundo

Refugees United já tem escritório para refugiados no Brasil.
Sede em São Paulo vai ser base para operação na América do Sul.

Daniel Buarque

A página do Refunited, o site que se propõe a ajudar refugiados a encontrar seus parentes pelo mundo (Foto: Divulgação)

Encontrar aqueles amigos da escola com quem não se tem contato há anos usando ferramentas como o Orkut pode ser fácil e divertido para quem vive no Brasil. No caso de famílias separadas pela guerra, quando cada pessoa se tornou refugiada em um país diferente, conseguir encontrar os parentes com quem não se tem mais contato é quase uma questão de sobrevivência. E agora uma ferramenta global na internet se propõe a fazer esta ligação, atuando como uma espécie de Orkut para refugiados.

Lançado oficialmente em novembro do ano passado, o Refunite.org é o site da ONG Refugees United, que foi fundada em 2005 por dois irmãos dinamarqueses que trabalhavam com a adaptação de refugiados no país nórdico. Eles perceberam que havia necessidade para uma ferramenta deste tipo quando tentaram ajudar um jovem afegão a encontrar sua família, de quem havia se separado ao fugir do país pelo norte do Paquistão.

"Pensávamos que seria fácil, já que usávamos a internet para encontrar pessoas e para descobrir qualquer coisa que quiséssemos", disse Christopher Mikkelsen, um dos fundadores, em entrevista ao G1. "Começamos a falar com agências e instituições que ajudam a refugiados pelo mundo e descobrimos que, apesar de serem muito competentes em ajudar na transferência dessas pessoas, eles não tinham capacidade de encontrar as pessoas e reunir famílias separadas."

A partir da esquerda, os fundadores do Refugees United, David e Christopher Mikkelsen, e o refugiado afegão Mansour (Foto: Divulgação)

Mansour, o garoto afegão que eles tentavam ajudar, acabou indo ao Paquistão e descobrindo que seu irmão estava na Rússia, após ser vendido como escravo. Ele continuou buscando até que conseguiu encontrá-lo, mas as dificuldades desse processo fizeram os irmãos Mikkelsen pensarem que seria necessária uma ferramenta específica para isso.

"Nós éramos dois dinamarqueses, com boa educação, com recursos, com todas as possibilidades em comparação aos refugiados, e mesmo assim pesquisamos em todas as agências possíveis e não encontramos nada. Por que ninguém nunca havia criado um banco de dados global de refugiados, para que eles pudessem se cadastrar de forma anônima, em seu próprio idioma, ajudando eles a encontrarem seus parentes sem necessidade de entrar com um longo processo junto a agência de refugiados?"

Após se surpreenderem ao descobrir que nada assim existia até então, foi o que eles fizeram. O Refunite atua exatamente assim, permitindo que os refugiados se cadastrem de forma anônima, podendo usar apelidos que só parentes reconheceriam, e sem precisar dar informações que os possam colocar em perigo (nem todos os refugiados vivem em situação legal em países mais desenvolvidos, ou se sentem seguros). O registro pode ser feito em 23 idiomas, incluindo línguas africanas pouco difundidas.


Dificuldades

Ao contrário das classes médias altas de países um pouco mais estruturados, público alvo de sites de relacionamento pelo mundo, os refugiados nem sempre têm acesso irrestrito a computadores, o que poderia limitar a ação do Refunite. Aí entram as ONGs de apoio a essas pessoas que são forçadas a deixar seus países de origem. Segundo Mikkelsen, o objetivo do Refugees United é ser apenas uma ferramenta, a ser usada de forma mais intensa pelas ONGs em ação direta com grupos de refugiados.

"Ao contrário do que se pensa, os refugiados têm acesso à internet. Claro que muitos têm situação difícil, mas um grande número deles estão na rede. A maior parte do nosso trabalho consiste em manter contato com ONGs e organizações que trabalham com refugiados para que eles levem a internet até eles. Se não podem fazer a ligação entre todas as famílias, que pelo menos permitam que os refugiados tenham acesso a esta ferramenta", explicou.

"Estamos aproveitando a explosão que a internet está experimentando nos países de terceiro mundo. É nesses lugares mais pobres, onde há mais pessoas separadas, que precisamos atuar de forma preventiva, mantendo a ligação das famílias pela internet."


Números

A ONG ainda não tem nenhum número que simbolize os avanços na união de familiares refugiados desde que o site entrou no ar, há quatro meses. Segundo Mikkelsen, o fato de o cadastro ser feito de forma anônima, e de eles não registrarem mais informações sobre os refugiados inscritos no site, dificulta falar em dados concretos.

"Acredito que até o momento tenhamos poucos resultados. Nosso trabalho até agora tem sido apenas o de espalhar informações sobre nosso projeto, formar parcerias com as organizações que ajudam refugiados, fazer com que eles tenham conhecimento da ferramenta e saibam utilizá-la. Estamos formando a base do trabalho o Refunite. Estamos formando as relações para que o sistema se consolide", disse. Segundo ele, em seis meses o portal terá uma seção para que as pessoas que conseguiram encontrar parente possam contar suas histórias.

Mesmo sem dados concretos, Mikkelsen se mostra otimista em relação ao trabalho e à importância que pode ter cada reunião familiar. "Digamos que possamos ajudar 10% dos refugiados do mundo. Pode parecer pouco, mas falamos de milhões de pessoas." Segundo o relatório mais recente do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), divulgado em 2008, o número de refugiados e deslocados internos no mundo todo chega a 37,4 milhões de pessoas. O número de refugiados sob a responsabilidade direta desse organismo da ONU passou de 9,9 milhões para 11,4 milhões no final de 2007.


Brasil

A Refugees United conta com apenas três escritórios oficiais no mundo, um em Copenhague, onde surgiu, outro em Nova York e um terceiro, no Brasil. Na entrevista que concedeu ao G1, Mikkelsen revelou que a sede do grupo em São Paulo será inaugurada daqui a duas semanas e oferecerá 12 computadores para que refugiados no Brasil possam ter acesso ao Refunite.

Segundo ele, o Brasil tem sido um dos países mais importantes nas parcerias globais formadas pelo grupo, e aqui vai ser o centro de operações para os refugiados em todo o continente sul-americano.

"Vivemos num lugar do mundo em que não temos uma visão muito completa da situação dos refugiados. Aqui as pessoas não sabem que a Colômbia é um dos países com mais refugiados. Aqui as pessoas associam os refugiados apenas ao Iraque e à Palestina. Nossa relação com o Brasil se desenvolveu muito rapidamente, e queremos que o país seja a base do nosso trabalho na América do Sul", disse.

Segundo o relatório mais recente da Acnur, há no Brasil 3.800 refugiados de outros países, a maioria africanos. A Colômbia, mencionada por Mikkelsen, é o país de origem de 552 mil refugiados.


Fonte: G1 (São Paulo, 30/03/2009).

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Muçulmanos chineses viram desafio para governo Obama

Ilshat Hassan, um refugiado Uighur da China, se ofereceu para receber um ex-detendo de Guantánamo em sua casa
Ilshat Hassan, um refugiado Uighur da China, se ofereceu para receber um ex-detendo de Guantánamo em sua casa
01 de abril de 2009
The New York Times

William Glaberson e Margot Williams


Quando Ilshat Hassan fugiu da China, encontrou refúgio, um emprego na consultoria Booz Allen e um apartamento nos subúrbios da Virgínia. Hassan, um homem intenso que foi professor universitário, está entre os 300 exilados da minoria uighur, muçulmanos originários do oeste da China, que vivem pacificamente na região de Washington, de onde o governo norte-americano vem apoiando seus esforços pela democracia. Mas enquanto os Estados Unidos servem como anfitriões a Hassan e outros de seus compatriotas, mantêm 17 membros da mesma etnia aprisionados na Baía de Guantánamo, em Cuba.

"A história deles é a minha história", diz Hassan, com um tom de nervosismo na voz. Ele quer dizer, com isso, sua fuga, em 2003, ao repressivo regime chinês, mas não os detalhes específicos, que no caso dos 17 prisioneiros uighurs envolvem sete anos de isolamento e desespero.

Os uighurs se tornaram uma espécie de teste quanto à situação de Guantánamo: alguns os veem como refugiados sem sorte, e outros como perigosos conspiradores. Para o governo Obama, a tarefa de determinar qual dessas definições é a correta e se os homens podem ser libertados em território dos Estados Unidos dificulta os planos do presidente para fechar a prisão de Guantánamo. Qualquer que seja sua escolha, certamente provocará reações intensas.

O dilema assumiu caráter mais urgente porque o plano de fechar Guantánamo depende de que outros países aceitem receber alguns dos 241 prisioneiros restantes; os diplomatas dizem que, com o embarque do presidente para uma viagem à Europa, na teça-feira, o plano poderia encontrar obstáculos a não ser que os Estados Unidos sinalizem a disposição de receber alguns dos prisioneiros de Guantánamo em seu território.

Mas em seu país o presidente Obama enfrenta a perspectiva de fortes protestos, de alguns setores, caso aceite os prisioneiros que o governo Bush classificou como terroristas e proibiu de ingressar em território norte-americano. As notícias sobre a possível libertação de alguns deles já geraram, denúncias e ansiedade entre grupos militares, familiares das vítimas de 11 de setembro e líderes políticos.

"Não creio que o povo deseje receber pessoas que podem ser terroristas nos Estados Unidos", disse o deputado J. Randy Forbes, republicano da Virgínia. Havia sinais, na terça-feira, de que o processo decisório estava se acelerando. Funcionários do governo estavam em Guantánamo entrevistando os 17 homens a fim de averiguar se seria lícito libertá-los, talvez nos Estados Unidos, disse um representante do governo.

Mas uma revisão detalhada de milhares de páginas de documentos sugere que respostas definitivas sobre quem de fato são os 17 uighurs talvez sejam difíceis de obter. O material disponível publicamente, incluindo relatórios de serviços de inteligência e documentos judiciais e de audiências militares, muitas vezes apresenta um quadro nebuloso.

Eles terminaram detidos pelos norte-americanos no Afeganistão e no Paquistão em 2001 e 2002, em alguns casos depois do pagamento de recompensas por sua captura. O histórico de cada um deles é inexato: sapateiro, chapeleiro, datilógrafo no idioma de origem turca empregado pelos uighurs. As provas contra eles foram declaradas dúbias por tribunais federais norte-americanos. Mas antigos funcionários do governo Bush disseram em entrevistas que não haviam sido conduzidos esforços sérios para deslindar esses mistérios.

Ainda assim, na comunidade de uighurs expatriados em Washington, Hassan e outros refugiados argumentam que é evidente que esses homens não representam perigo. Eles se ofereceram para receber os prisioneiros em suas casas, caso sejam libertados. Libertar os uighurs representaria um momento singular no debate sobre Guantánamo, pois os críticos do regime de detenção veriam essa decisão como confirmação final de que homens inocentes foram trancafiados lá.

As intenções específicas dos uighurs que estavam no Afeganistão em 2001 são difíceis de definir. "Não havia nada a fazer lá a não ser aprender como combater os chineses e depois retornar", disse um deles a um painel militar. O governo Bush reconheceu no final do ano passado que nenhum deles podia ser considerado como combatente estrangeiro. Em seguida, o Departamento da Justiça argumentou que jamais deveriam ser admitidos nos Estados Unidos porque "queriam praticar o terrorismo" na China.

Os advogados dos detidos afirmam que essa alegação representa "aprisionamento por difamação". Eles concentram seu ataque nas provas de que 13 dos homens teriam passado algum tempo em um acampamento uighur perto de Jalalabad, no Paquistão, que os advogados descrevem como na verdade "um inocente punhado de casas em uma encruzilhada de estradas de terra".

O armamento presente na "aldeia uighur", disseram os prisioneiros em suas audiências militares, consistia de um único fuzil Kalashnikov e uma pistola. Eles se queixaram de políticos chinesas que, segundo suas alegações, incluem aborto forçado, prisões políticas e tortura de dissidentes.

Mas funcionários do governo Bush alegaram que entre os prisioneiros uighurs havia homens capturados em zonas de batalha ativas, e um especialista em treinamento com armas de fogo, um uighur que alega ter sido confundido com outra pessoa. O governo Bush alega que o acampamento era um centro de treinamento operado por um grupo de resistência uighur que o Departamento de Estado norte-americano classificou como organização terrorista em 2002, o Movimento Islâmico do Turquestão Oriental.

A designação mais causou que resolveu dúvidas. A classificação do movimento como terrorista, adotada depois que os 17 homens já haviam sido detidos, surgiu por insistência da China, em um momento no qual os diplomatas norte-americanos estavam pressionando pelo apoio de Pequim à guerra então iminente contra o Iraque.

O Departamento de Estado admitiu que os chineses usaram a classificação do grupo como terrorista a fim de justificar severas medidas de repressão aos separatistas uighurs, semelhantes às políticas, mais conhecidas, que as autoridades chinesas empregam com relação ao Tibete.

Mas especialistas em assuntos chineses argumentam que a designação do movimento como terrorista pelos norte-americanos parece ser baseada em informações incorretas. Em 2002, a China alegou que oito pequenos e pouco conhecidos grupos de uighurs haviam cometido mais de 200 atos terroristas, nos 11 anos precedentes. Mas, poucos meses mais tarde, os norte-americanos atribuíram a culpa por todos esses atentados ao Movimento Islâmico do Turquestão Oriental (Etim).

"De repente, era tudo culpa do Etim", disse James Millward, historiador na Universidade de Georgetown que escreveu sobre a decisão de classificar o grupo como terrorista. Dru Gladney, especialista em assuntos chineses no Pomona College, disse que a confusão pode ter exagerado a importância do grupo, o qual segundo ele talvez tivesse apenas 10 membros.

Ainda assim, diversos dos prisioneiros reconheceram em seus depoimentos que seu acampamento no Afeganistão tinha elos para com um expatriado uighur, Hasan Mahsum, que se descrevia como líder do movimento separatista Etim. Mahsum negou quaisquer conexões entre seu grupo e a Al-Qaeda, mas essa negação de maneira alguma encerrou a questão. O líder terminou morto pelo exército paquistanês em, 2003, em um ataque contra o que os paquistaneses descreveram como um esconderijo da Al-Qaeda.

Os arquivos sobre os uighur herdados pelo governo Obama estão repletos de ambiguidades como essas, de acordo com as informações publicamente disponíveis. Ainda assim, cinco antigos membros do governo Bush declararam em entrevistas que não conheciam quaisquer esforços para recolher mais informações sobre os prisioneiros, mesmo depois que um tribunal federal de recursos, em junho, ridicularizou as informações secretas sobre os prisioneiros uighur como não mais que boatos.

Em decisão adversa ao governo Bush, o tribunal de apelações federal em Washington afirmou que havia razão para acreditar que a fonte das alegações infundadas era nada menos que o governo da China, o qual, segundo o tribunal, estava longe de qualquer objetividade quanto ao tema. Mas, disse um antigo funcionário do governo Bush, "ninguém voltou atrás para verificar os fatos uma segunda vez".

Andrew Levy, que foi diretor jurídico assistente no Departamento de Segurança Interna durante o governo Bush, disse que as informações eram suficientes para convencer as autoridades de que os homens não deveriam ser autorizados a entrar nos Estados Unidos. "Seria difícil dizer que permitir a entrada deles não envolveria riscos", disse Levy.

Os norte-americanos afirmam que não pretendem entregar os prisioneiros à China - que vem exigindo seu repatriamento - porque temem que eles sejam torturados ou maltratados. Mas depois de 2006, quando a Albânia aceitou receber cinco uighurs detidos em Guantánamo, outros 100 países se recusaram a receber os demais 17, de acordo com funcionários do Departamento de Estado.

Tradução: Paulo Migliacci ME