terça-feira, 13 de outubro de 2009

Um novo começo em México: deixando para trás a violência doméstica

CIDADE DO MÉXICO, México, 22 de setembro (ACNUR) – Rebeca* parecia feliz enquanto abraçava seu querido filho no aeroporto internacional do México, mês passado, depois de mais de um ano separados. Da última vez que viu Juan, seu filho de 20 anos de idade, em junho do ano passado, ela estava afundada na angústia e temendo por sua vida.

Essa mulher morena de 40 anos de idade foi por muito tempo vítima da violência doméstica, mas, diferentemente da maioria das mulheres que sofrem abusos em seu próprio lar, ela fugiu do seu país, pois sentia que não havia pessoa ou organização alguma a qual pudesse recorrer em seu país natal, a Nicarágua. Ano passado, ela foi reconhecida como refugiada no México, já que seria muito perigoso sua repatriação.

A violência doméstica é um grande problema na Nicarágua; algumas organizações não-governamentais estimam que até 60% das mulheres sofrem algum tipo de violência, ou foram agredidas fisicamente por seu parceiro em ao menos uma ocasião.

Denunciar tal delito não é garantia de proteção à vítima; de acordo com organizações de direitos humanos nicaragüenses, mais de 70% dos casos denunciados por violência doméstica são absolvidos ou não chegam a ser sentenciados.

Rebeca a suportou por mais de 20 anos. Sua desventura começou quase desde o momento em que se casou com o homem com quem pensava que passaria o resto da sua vida. Tinha, então, somente 17 anos quando conheceu o lado escuro de seu temperamento, e o abuso verbal e psicológico não demoraram em aparecer.

Seu esposo costumava lhe bater, gritar, inferiorizá-la em público e inclusive abusar sexualmente dela. Não permitia que ela trabalhasse nem tivesse renda própria. Ficava enfurecido se olhava para qualquer homem, inclusive ao seu médico ou a um garçom no restaurante.

Quando estava grávida de gêmeos, o marido de Rebeca não permitiu que visitasse nenhum médico. Um de seus bebês nasceu morto e o outro morreu em poucas semanas, devido, possivelmente, aos golpes que sofreu durante a gestação.

Um ano depois, logo após dar à luz a seu filho, Rebeca tentou abandonar sua casa. Seu esposo deu um tiro no chão quando quis ir embora levando seu bebê, e ela decidiu ficar ao invés de arriscar a vida de seu filho.

Rebeca considerou realizar uma cirurgia para evitar que pudesse ter mais filhos. “Me preocupava, pois se tivesse uma filha não queria que ela sofresse o que sofri durante toda a minha vida”, disse. Mas para isso necessitava da autorização de seu marido, segundo a lei da Nicarágua, e ele se recusou.

Não foi, senão, até o ano passado, com seu filho já adulto, que ela escapou. “Meu filho sentia a responsabilidade de cuidar de mim. Ele me dizia: ‘eu não posso sair na rua pois me preocupa o estado em que a vou encontrar’. Nos últimos dois anos levei muitos golpes porque comecei a me rebelar”, explica Rebeca.

Ela se juntou à movimentada estrada pela qual migrantes sem documentação e refugiados atravessam desde a América Central até os Estados Unidos. A Agência da ONU para os Refugiados trabalha estreitamente com as autoridades em países como o México, tentando identificar pessoas com necessidade de proteção internacional imersas nestes movimentos migratórios mistos, principalmente as que fogem de conflitos ou perseguição, como no caso da violência doméstica, que pode chegar a ser uma forma de perseguição.

Rebeca foi detectada pelas autoridades migratórias mexicanas perto da fronteira com os Estados Unidos. Quando ela informou sobre o seu medo de voltar para a Nicarágua, seu caso foi encaminhado à Comissão Mexicana de Ajuda a Refugiados (COMAR).

Ela foi reconhecida com o status de refugiada há um ano e encontrou trabalho como assistente administrativa. A cereja do bolo na sua vida ocorreu quando, finalmente, com a ajuda do ACNUR, seu filho pode reencontrar-se com ela.

Rebeca conta que seu esposo costumava ameaçá-la psicologicamente para que permanecesse em casa. “Ele me dizia ‘se você me deixar, não vai ter paz, não vai viver para contar’. Eu tinha que evitar isso. Porque ele me dizia que eu teria que passar a vida inteira cuidando das minhas costas, esperando pelo momento em que ele iria me pegar”. Mas agora ela está em um bom lugar, aonde ele não pode alcançá-la.

“Sou uma sobrevivente. Não fui a uma guerra, mas parece que sim”, diz Rebeca enquanto espera a chegada de seu filho. “Quando estiver com meu filho, sentirei que o pesadelo acabou”.

* Os nomes foram trocados por razões de segurança.

Por Mariana Echandi
Em Cidade do México

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