segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Grupo está integrado, diz Cáritas

Apesar da preocupação dos refugiados palestinos com o fim do auxílio financeiro a partir de janeiro de 2010, o coordenador do Programa de Reassentamento Solidário em São Paulo, Antenor Rovida, acredita que os asilados em Mogi possuem toda a possibilidade de “seguir adiante”. Mesmo com o fim da assistência, ele disse que a Cáritas Brasileira manterá alguns serviços, como cursos de capacitação profissional, oferecidos por meio de convênios com instituições de ensino, e tradução de documentos. O representante da entidade rebateu críticas e garantiu que muitos dos refugiados estão empregados e em “bom processo” de integração. Em entrevista concedida por e-mail a O Diário, Rovida falou das dificuldades enfrentadas nestes dois anos de trabalho e pontuou que os palestinos esperavam muito mais do que o Programa oferecia. Este último item, segundo ele, foi o principal gerador de conflito com a organização. “Fizemos todos os esforços possíveis para beneficiá-los e ajudá-los”, destacou. Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

O senhor avalia que os palestinos já possuem condições de viver sem o auxílio financeiro? Haverá algum tipo de acompanhamento posterior?

O objetivo do benefício oferecido é o de dar um apoio inicial para recomeçarem suas vidas. Normalmente, o padrão do Programa de Reassentamento oferece um ano de apoio. No caso dos palestinos, eles receberão dois anos e três meses. Vários estão trabalhando e buscando sua autonomia. Nós acreditamos que eles têm toda possibilidade de seguir adiante. Em relação ao acompanhamento posterior, mantemos a disponibilidade de oferecer cursos de capacitação, através de convênio que temos com o Senai/Senac. E temos dado acompanhamento para tradução juramentada de documentos para aqueles que queiram e possam seguir com os estudos. Além disso, temos dialogado e realizado inúmeras reuniões com o Comitê Estadual para Refugiados de São Paulo a fim de incluí-los nos programas de habitação e na continuidade de atendimento na área da saúde.

Quantos já estão empregados?

Preparamos os contatos com vários segmentos da sociedade local para que eles fossem acolhidos, inclusive com a Sociedade Islâmica de Mogi das Cruzes, que por sinal, deu muito apoio e os acolheu desde a chegada, inclusive indicando trabalho para vários deles. Porém, a adesão ao trabalho é pessoal. Manter-se no trabalho é responsabilidade de cada pessoa. Fizemos contato com a Secretaria de Estado do Trabalho e há possibilidades de vagas de emprego, que estamos identificando.

Sabemos que algumas famílias montaram negócios próprios. Contudo, elas dizem que contraíram dívidas para conseguir montar o negócio e não conseguem sobreviver dele.

Não cabe ao Programa monitorar os compromissos financeiros assumidos pelos refugiados, que com a documentação que possuem têm possibilidade de acessar programas de microcrédito e produtos bancários, dentro da sua capacidade de endividamento. Esta é uma decisão de caráter privado e autônoma.

Quais foram as principais dificuldades nestes dois anos?

As dificuldades foram basicamente pelo não entendimento dos refugiados em relação ao papel de cada organização dentro do Programa (Cáritas, Alto Comissariado da ONU para Refugiados e governo federal). Outro ponto foi a informação muito superficial sobre as condições de saúde do grupo enquanto ainda estavam no campo de refugiados. Com a precariedade do estado de saúde de várias pessoas, houve uma exigência muito grande com demandas de muito tempo somente para o atendimento de saúde. Por outro lado, eles não aceitavam as condições do sistema público, apesar dos esforços de cooperação da Secretaria de Estado da Saúde e sobretudo da Secretaria Municipal de Saúde, facilitando o agendamento, buscando médicas para atender as mulheres e médicos para os homens, etc. A diferença cultural também dificultou o relacionamento com os refugiados. Construir o mínimo de relação, que muitas vezes era de tensão, foi um desafio tanto para eles quanto para a equipe da Cáritas. O aprendizado do idioma também foi um grande desafio, mesmo com um esforço de várias etapas de estudo. Houve ainda a interferência de atores externos, que acabavam ouvindo o lado dos refugiados sem saber as regras do Programa e da legislação que rege o direito do refúgio no Brasil.

Foi possível superar os obstáculos ou ainda há barreiras?

Nós que trabalhamos com refugiados há anos acreditamos que as dificuldades podem ser vencidas e temos visto isso com várias pessoas e grupos. Mas isso depende do esforço e disposição de cada um. Uma parte significativa dos refugiados já está num bom processo de integração. Fizeram amigos nos locais onde moram, vários estão trabalhando, as crianças estão estudando. Todos têm acesso às políticas públicas, como qualquer brasileiro.

O fundamental e mais importante é que eles têm direito a um território. Ninguém os persegue e com esforço e espírito de luta eles podem e estão construindo um novo futuro.

Em muitos momentos, houve problemas no relacionamento entre a Cáritas e os palestinos. Qual é o ponto principal de desavença?

Todo refugiado é um sobrevivente. Até chegarem num território como o Brasil, eles já passaram por situações muito difíceis e enfrentaram muitos problemas e desafios. Quando chegaram, esperavam mais do que o Programa oferecia e com isso iniciou o processo de pressão, reivindicação e protestos. A organização não tem autonomia e nem meios para atender a tudo o que eles queriam, pois o Programa não previa várias demandas que os mesmos reivindicavam. Isso é o que provocou os problemas de relacionamento. Nós fomos resistindo e buscando fazer o nosso trabalho, tentando administrar os conflitos, preservando os mesmos e não entrando em polêmicas para respeitar a privacidade deles. Percebemos a influência de pessoas e grupos externos, que muitas vezes criavam situações difíceis de serem administradas. Procuramos respeitar ao máximo possível a liberdade deles e buscar apoio dos órgãos competentes. Seguimos as regras do Programa e fizemos todos os esforços possíveis para beneficiá-los e ajudá-los. Somos fiscalizados e passamos por auditoria externa todos os anos.

Fonte: O Diário

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