domingo, 21 de setembro de 2008

Depoimentos de palestinos refugiados há um ano no Rio Grande do Sul:

21 de setembro de 2008 | N° 15733

PALESTINOS NO BRASIL

“Estamos bem, graças a Deus e aos brasileiros”

Duas visões sobre o Brasil

Em meio à névoa com o aroma doce de maçã emanada do narguilé, a palestina Salha Mohammad Nassar, 53 anos, observa os homens fumando e preservando um naco da cultura islâmica em uma calma rua de Sapucaia do Sul. Olha através da porta aberta, ajeita-se no sofá e suspira: – Estamos muito bem, graças a Deus. A expressão, então, torna-se ainda mais contemplativa, e ela arremata: – ... e graças aos brasileiros.

O comentário está longe de ser uma expressão vazia. Pelo contrário, é repleto de simbolismo e conteúdo, apesar da brevidade e da singeleza.

Com seu marido, Faez Ahmad Abbas, 62 anos, ela veio para o Brasil um ano atrás na condição de refugiada. Deixou um casal de filhos – ela com 33 anos, e ele com 35 – e até diz ter do que se queixar. Mas, durante quase duas horas de conversa com ZH, só 10 minutos são de reclamações sobre a ausência de um professor mais eficaz para lhes ensinar um português fluente e sobre o auxílio de R$ 760 prestado pela ONU ao casal (com aluguel pago). Tudo muito pouco, acham eles. Mas as graças a Alá ficam por conta da disposição dos vizinhos brasileiros em ajudá-los. Nos seus nove primeiros meses de Brasil vivendo em Rio Grande e nos últimos três em Sapucaia do Sul, a palestina diz que sempre houve quem lhes oferecesse ajuda e fizesse companhia.

A casa estava cheia na tarde ensolarada de sexta-feira. Além do casal, os amigos Teisir Mahmoud Ibrahim, 54 anos, Youssef Mansour al-Manasir, 62 anos, e Kalil Kansaou (o único brasileiro) compartilhavam o narguilé.

Foi quando eles se lembraram de uma brincadeira também compartilhada. Os vizinhos brasileiros costumam insistir na seguinte pergunta:

– É verdade que vocês podem se casar com quatro mulheres?

Um minuto de risos intensos. Silêncio. Aí, entra a reportagem, para realizar, enfim, nada mais do que a sua obrigação:

– ... bem, é verdade que vocês podem se casar com quatro mulheres?

Três minutos de risos, mais intensos ainda.

Nesse clima, os palestinos tocam a vida gaúcha, com a estante da TV ostentando a cuia do chimarrão, o narguilé e um Alcorão. No pátio, plantio de batata, salsinha, cebola, alho e pimenta. Em pleno Ramadã, chá de hortelã para as visitas. Sagradas são as cinco rezas diárias. A porta sempre aberta. A alegria pelo mosaico étnico brasileiro e a aceitação do diferente. Junto à fumaça do narguilé, aroma de felicidade.

E os casamentos?

Sim, podem ter quatro mulheres. Salha franze o senho, brava com a resposta.

Esperto, Faez sorri e quase salta do sofá para evitar um conflito conjugal:

– Imagina só, eu teria de pôr cada uma em uma casa. A ONU não pagaria.

Matéria por LÉO GERCHMANN - Publicada em Zero Hora no dia 21/09/2008

LÉO GERCHMANN | SAPUCAIA DO SUL
Por que estão contentes?
Apesar de desejar uma melhora nas condições materiais, o casal Faez Ahmad Abbas e Salha Mohammad Nassar sente-se acolhido pelos brasileiros e pelos amigos, com quem passam o dia na casa de Sapucaia do Sul.

Nenhum comentário: