domingo, 21 de setembro de 2008

Depoimentos de palestinos refugiados há um ano no Rio Grande do Sul (parte 2):

21 de setembro de 2008 | N° 15733

PALESTINOS NO BRASIL

“Se continuar assim, preferimos ir embora”

Se a família de Sabiha Mohammad Ahmad, 59 anos, tivesse de escolher, hoje, entre ficar no Brasil ou voltar para Bagdá, voltaria. Mas Sabiha e os quatro filhos resolveram dar mais uma chance para o país que os acolheu e para si mesmos. Porque, na verdade, o problema deles não é com o Brasil ou com os brasileiros. O protesto envolve a relação deles com a ONU.

Morando em Venâncio Aires desde novembro do ano passado, a família de Sabiha está descontente, principalmente no que diz respeito ao lugar onde moram e ao atendimento de saúde que recebem. Ela diz:

– Se não cuidarem da gente e não formos bem tratados pela ONU, preferimos ir embora.

Sabiha mora com os dois filhos solteiros em um apartamento do centro de Venâncio Aires – os outros dois, casados, foram acomodados em outro lugar. Na cidade, é a segunda moradia da família, que considera pequeno e úmido o apartamento de dois quartos do terceiro piso. Mas a revolta também está relacionada ao atendimento médico. Com problemas de respiração e de coluna, o filho mais velho, Loay Samir Odaa, 31 anos, mal sai de casa: não consegue descer as escadas e nem caminhar até a esquina. O irmão mais novo, Hecham Samir Odaa, 23 anos, sente dores no peito e muito cansaço. Ninguém descobre o que ele tem.

– Tem muita coisa faltando para nós aqui. Nem emprego consegui arrumar até agora. Como vamos nos sustentar depois que deixarmos de depender da ONU? – reclama o outro filho de Sabiha, Hossam Samir Orabi, 32 anos, que deve se tornar pai ainda este ano.

Já para Abrahim Said Atieh Abu Zahrah, 54 anos, Brasil rima com paraíso. É o que diz desde que chegou a Venâncio Aires, com a mulher Siham Mahmud Abdallah, 49 anos, e a filha Sabrin Ibrahim Said Abu Zahrah, 18 anos, em setembro do ano passado. Mas, ao completar um ano no país, vindos da Jordânia, eles não estão 100% felizes. A distância do filho mais velho, que ficou no Iraque com a família, faz com que a vida de Abrahim, Siham e Sabrin seja um inferno. Em pleno paraíso.

Abrahim não vê o filho há cinco anos. Não conseguiu ir ao casamento dele e não conhece os dois netos, de dois anos e meio e dois meses. O único contato é pelo telefone, aos domingos.

– A vida deles está horrível: passam fome, frio, estão doentes. Como estarei bem aqui sabendo que não estão bem lá? – lamenta.

Não há um único dia que Abrahim não fale no filho, para quem quer que seja. No armário da sala, os porta-retratos tentam disfarçar a saudade. Na televisão, o DVD do casamento é exibido aos visitantes que entram no apartamento, no centro de Venâncio Aires. Ele e a mulher mal dormem à noite, e os problemas de saúde se agravaram. As brigas se tornaram constantes. Por isso, resolveram protestar: deixaram de ir ao médico, de tomar remédios e de assistir às aulas de português.

samia.frantz@zerohora.com.br

SÂMIA FRANTZ | VENÂNCIO AIRES
Por que estão descontentes?
No caso da família de Sabiha Mohammad Ahmad, o problema é de infra-estrutura. No da família de Abrahim Said Atieh, são os problemas de saúde e, principalmente, a ausência do filho mais velho, que permaneceu no Iraque.

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